Oficinas de Educação Escolar Indígena foram realizadas em 4 comunidades do Médio Rio Negro entre os dias 16 a 21 de setembro.
A viagem e os objetivos
O Departamento de Educação da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), com acompanhamento da CAIMBRN (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro) e SETCOM- FOIRN (Setor de Comunicação) empreendeu uma viagem para o médio rio Negro entre os dias 15 e 21 de setembro.
As oficinas realizadas nas comunidades Castanheirinho (16/09), Livramento II (17/09), Massaraby (18-19/09) e Cartucho (20-21/09), foram respostas às reivindicações enviadas à Foirn e uma continuidade dos trabalhos já iniciados há alguns anos nessa região.
Com uma programação previamente definida com as lideranças dessas comunidades, as oficinas tiveram como um dos objetivos esclarecer mais sobre a proposta da educação escolar indígena, através de relatos de experiências bem sucedidas já existentes em algumas regiões do Rio Negro (Tiquié, Waupés e Içana). O outro objetivo foi ouvir as comunidades sobre o “modelo”de escola que desejam, além de colaborar no processo inicial da construção de seus Projetos Políticos Pedagógicos, que possuem como uma das premissas básicas desenvolver a valorização e o fortalecimento da cultura local.
“Queremos que a escola indígena funcione na nossa comunidade”.
Na região do alto rio Negro, apesar das primeiras experiências de escolas indígenas tidas como “diferenciadas” terem começado há mais de 10 anos, o Médio Rio Negro está iniciando essa discussão, de forma mais constante, a pouco tempo, onde buscam definir um “formato”de escola que desejam para seus filhos.
“Não existe modelo de escola indígena a ser seguido ou copiado. Mas, cada experiência já existente deve servir de base para formular uma proposta de escola que se adeque a realidade local”- explicou o professor Orlando Baré, atual Coordenador Geral da CAIMBRN, que também colaborou nas discussões e trabalhos realizados durante a visita nas comunidades.
“Queremos que a escola indígena funcione na nossa comunidade, para que os nossos filhos além de aprenderem conhecimentos dos brancos, também aprendam os nossos”- disse Sandra Dessana, 38, vinda do Alto Tiquié e atualmente, moradora da comunidade de Massaraby, onde também vivem pessoas de outras etnias.
“Algum tempo recente, quando se falava de educação escolar indígena, de revitalização e valorização de cultura alguns de nós falávamos que não queríamos voltar a viver como nossos antepassados viviam. As experiências que acabamos de ouvir mostram que não é assim”- comentou o professor Vamberto Plácido, 40, da comunidade Cartucho, depois dos relatos de experiências.
O desafio agora é iniciar o processo de construção de elaboração dos PPPIs dessas escolas. Essa caminhada requer tempo e dedicação por parte, principalmente, do corpo docente e da comunidade escolar.
Ensino Médio: um desafio pela frente.
Caso de Cartucho
Na Comunidade Cartucho, o Ensino Médio Tecnológico funciona há alguns anos. É uma modalidade de ensino em que os conteúdos das aulas são produzidos em três estúdios de TV do Centro de Mídias, em Manaus. É de onde uma equipe de professores ministra as aulas, que por sua vez, são transmitidas em tempo real via satélite para as escolas. Cada uma das salas de aula está equipada com um kit tecnológico (por antena, roteador-receptor de satélite, microcomputador, webcam com microfone embutido, TV de 37 polegadas, impressora e estabilizador).
Os ex-alunos relataram suas experiências e problemas enfrentados no tempo em que ainda eram alunos. Segundo eles, esse modelo de ensino é bom para aqueles que conseguem “assimilar” e aprender rápido. Pois, o formato de aula é diferente se comparado com o modelo de ensino presencial, onde os alunos podem recorrer ao professor em casos de dúvidas, que no caso do modelo tecnológico isso não ocorre.
Outro problema relatado é que às vezes o equipamento fica com problema e quando isso acontece os alunos não podem “assistir” as aulas, perdendo, consequentemente, os conteúdos. E para piorar, a manutenção dos equipamentos sempre demora a chegar. Segundo informação da comunidade, os alunos do ensino médio tecnológico perderam seus estudos nesse ano de 2013, pois os equipamentos quebraram desde o início do ano letivo e até o presente momento os técnicos não foram resolver o problema na comunidade.
“Esse ensino médio não é nosso, é uma proposta montada e discutida pelos técnicos do governo, que não querem saber se vai ser implantada numa comunidade indígena ou não”- explicou Coordenador da CAIMBRN.
“Mas, há uma vantagem quando funciona, os professores possuem uma boa formação nas áreas de atuação, o que às vezes não acontece em várias escolas de ensino médio presencial”-lembra um dos ex-alunos, hoje professor na própria comunidade.
Após a discussão sobre os desafios do ensino médio, lideranças, professores, pais, avós e alunos dividiram-se em grupos para discutir, sistematizar e apresentar propostas para o Projeto Político Pedagógico Indígena do ensino infantil ao fundamental. Uma das propostas do sr. Jaime foi a seguinte: “ a partir de hoje todos os pais da comunidade devem falar somente em nhengatu com seus filhos desde o início e quando chegar no tempo da escola essas crianças já vão saber falar a própria língua”.
A comunidade de cartucho iniciou o processo de sistematização de seu Projeto Político Pedagógico Indígena nesta primeira oficina, objetivando aprofundar na discussão em próxima oficina, marcada para o início de novembro de 2013.
Experiência Tuyuka: “Temos que ser radicais”
A coordenação da Oficina, na comunidade Cartucho, aproveitou a passagem (pernoite) do Higino, que estava indo para a Oficina sobre Direitos da Mulher em Santa Isabel, para contar e contribuir com sua rica experiência, como professor e liderança indígena.
“Se quisermos que a escola indígena seja um instrumento que funcione quando se trata de valorização e revitalização, temos que ser radicais”- disse Higino Tenório Tuyuka ao introduzir seu relato de experiência referente à Escola Tuyuka.
“Se rezarmos Ave Maria todas as manhãs, é claro que em duas semanas, todas as crianças vão saber rezar”- refletiu, explicando em seguida que o mesmo ocorrerá se os pais e professores falarem com as crianças na própria língua todos os dias. Segundo Higino, quando a Escola Tuyuka foi discutida, o objetivo era recuperar a língua Tuyuka que estava sendo substituída pela língua Tukano. “As crianças não sabiam mais falar Tuyuka, somente adultos de 30 anos pra cima. Foi quando criamos a escola. A partir de lá, começamos a falar, e em pouco tempo as crianças começaram a falar Tuyuka. Hoje, as crianças não apenas falam, como também escrevem”- lembra Higino.
A oficina para a construção do Projeto Político Pedagógico Indígena em Cartucho contou também com a colaboração e assessoria da Lirian Monteiro, do Programa Rio Negro/Instituto Socioambiental.
Caso de Massaraby
Em Massaraby a situação é bastante complicada. O ano, segundo os alunos, começou com dois professores e a partir do segundo semestre a sala do ensino médio ficou com apenas um professor. Este saiu da comunidade para a cidade (São Gabriel da Cachoeira) na véspera do torneio da semana da pátria (primeira semana de setembro), e até dia 16 de setembro ainda não havia retornado. E ainda, “saiu nas férias (final de junho), só chegou ao final de agosto, antes da semana da pátria, só ficou uma semana e foi embora novamente”-reclamou uma das alunas.
“Estou bastante preocupada, passamos os primeiros bimestres estudando apenas duas disciplinas e as outras como é que vão ficar? O professor vai chegar lá (SEDUC local) e vai inventar as notas para as demais disciplinas, fazendo de conta que estudamos também estas. Isso me preocupa muito”- completa.
Caso de Livramento II
Hoje a escola já estaria no segundo ano de funcionamento caso a SEDUC cumprisse a previsão da implantação de uma sala anexa do Colégio João Marchesi (sediado em São Gabriel da Cachoeira), mas até o presente momento não foi implantado.
No ano em que a equipe da SEDUC passou pela comunidade, justificaram que a criação de uma escola de ensino médio não seria viável por reduzido numero de alunos (listados na matrícula apresentada) e pela falta de espaço (prédio escolar). Mas, segundo os comunitários presentes na oficina, foi aprovada a implantação de uma sala anexa na comunidade (como mencionado acima).
Se for por falta de espaço (salas de aula) que o ensino médio ainda não funcionou, as comunidades Livramento I e II, Vila Nova e sítios arredores estão juntando forças para construir três casas que servirão de espaço e estrutura para o funcionamento do ensino médio. A previsão de conclusão das casas é ainda este ano. Precisamente, em dezembro.
“A gente sabe que não é nossa obrigação construir escola, mas, como demora pra chegar, estamos mostrando para o governo que temos muita força e vontade para ter o ensino médio para nossos filhos e para nós mesmos”- lamentou o “Seu” Nivaldo, com mais de 50 anos, que também é um dos alunos inscritos para estudar no ensino médio.
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